Não sei se existe uma forma de começar um texto para falar das redes sociais e de como elas afetam nossa vida, sendo que eu, apesar de uma influenciadora dita "micro", necessito delas para sobreviver.
Mas o que de fato eu posso falar Ă©: como nossa vida inteira, desde antes da existĂȘncia das redes sociais, Ă© articulada por uma mĂŁo invisĂvel que nos controla e nos limita.
EntĂŁo, como falar sobre existir nas redes, sem se lembrar que temos um medo constante sobre o que acontece e sobre o que nos afeta. E mais, por quĂȘ sentimentos necessidade constante de nos manter imersos nesse mundo, que Ă© virtual, mas que nos controla cotidianamente?
Do meu ponto de vista a primeira coisa que ocorre com a nossa vida e nossos relacionamentos nas redes sociais, Ă© que Ă© a forma mais fĂĄcil de nos sentirmos parte de algo. Enquanto no passado nĂłs sentĂamos medo de ser vigiados, hoje nĂłs fazemos questĂŁo de nos exibirmos.
Isso Ă© ruim? Depende!
Acredito que para tudo deve existir um limite, que seja saudĂĄvel e que seja coerente com a nossa sociabilidade.
HĂĄ anos atrĂĄs, enquanto ainda estava na universidade, aprendi sobre o Panoptismo, inclusive tenho um artigo cientĂfico sobre isso, e vocĂȘ pode acessĂĄ-lo clicando aqui. Pois bem, o Panoptismo seria um mĂ©todo coercitivo nĂŁo-violento da sociedade, que funciona justamente quando, nĂŁo sabemos exatamente quem nos vigia, ou seja, coletividade Ă© castrada e a individualidade Ă© o alvo do vigia.
A grande nĂłia desse sistema Ă© justamente que nĂŁo podemos provar quem nos vigia, e nĂŁo temos como saber se no momento que fizermos algo errado seremos punidos, ou sistematicamente falando, vivemos em um mundo onde qualquer pessoa pode nos punir ou nĂŁo.
E a nĂłia seguinte Ă©: POR QUĂ A GENTE SE EXIBE? MESMO QUANDO NĂO ESTARĂAMOS SENDO VIGIADO?
Nós fazemos check in, nós postamos stories, nós mostramos o que comemos, nós vivemos como se fÎssemos livres quando na verdade estamos dando munição para o sistema.
Hå uma semana eu recebi uma reportagem que falava sobre aplicativos de celulares, que são direcionados para mulheres anotarem seu ciclo menstrual, e aà as informaçÔes desses aplicativos estavam sendo vendidas para algumas empresas para entenderem quais tipos de publicidades seriam interessantes para aquela mulher de acordo com o "humor" dela. Isso é tão bizarro, que a sensação foi de estar em um episódio de Black Mirror.
Depois de provas constantes, inclusive em relação Ă s eleiçÔes dos EUA e do Brasil, sobre a venda de informaçÔes pessoais nossas, para a incorporação de propagandas polĂticas, porquĂȘ ainda acreditamos que o que postamos Ă© irrelevante ou nĂŁo Ă© visto?
O texto parece confuso, fomos do panoptismo atĂ© ao ciclo menstrual, mas vocĂȘs conseguem enxergar comigo o quanto a gente se expĂ”e? E o quanto o sistema capitalista, a indĂșstria cultural, e as novas mĂdias se misturam na nossa vida a ponto de nĂŁo conseguirmos enxergar o quanto ela nos controla e nĂŁo o contrĂĄrio?
Trabalhar como influenciadora me traz muitas experiĂȘncias maravilhosas, e me trouxe muitas pessoas maravilhosas, mas pra mim Ă© muito importante enxergar os limites que essa rede me traz, e tambĂ©m a responsabilidade sobre o que eu falo. Muitos influenciadores nĂŁo estudam e nĂŁo sabem que quando ele assume que usa um medicamento, por exemplo, centenas e milhares de pessoas passam a desejar aquilo tambĂ©m. NĂŁo Ă© sĂł um fetiche sobre o produto, Ă© sobre tudo, Ă© sobre a vida. E trabalhar dessa forma as vezes me assusta, mas cada vez mais me mostra, o quanto Ă© importante terem pessoas reais aparecendo nas redes sociais para trabalhar como influenciadores e que sejam responsĂĄveis sobre o que falam.
SerĂĄ que existe a chance do "vigia" agora ter sido incorporado na nossa prĂłpria existĂȘncia? E a gente esteja 24h por dia tentando punir alguĂ©m, ou esperando um erro para que possamos massacrĂĄ-los? SerĂĄ que as redes sociais tornou todo mundo ainda menos empĂĄticos e retira a humanidade do outro justamente por essa pessoa agora poder reproduzir o julgamento que hĂĄ tempo lhe foi imposto?
O corpo alheio, o relacionamento alheio, a comida alheia, a casa alheia...tudo se torna pĂșblico e passĂvel de punição.
Esse texto é um reflexão do quanto esquecemos quem estå nas redes, e do quanto passamos por situaçÔes na vida real que se repetem no virtual, e do quanto nos tornamos corajosos por não estar cara a cara com alguém.
Agora me conte: vocĂȘ jĂĄ julgou de longe? JĂĄ fez comentĂĄrios sobre a vida ou o corpo alheio? Eu tenho certeza que sim, porque reproduzimos essas "maldades", mas cabe a nĂłs cada vez mais ficar atentos ao nosso pensamos e questionarmos a nĂłs mesmas sobre nossos impulsos.